O Downhill é a modalidade mais radical de MTB. Por isso mesmo, muitos iniciantes têm até um pouco de medo de pratica-la. Superar esse receio fica muito mais fácil com o relato de alguém que já pratica há bastante tempo, como o Bernardo Cruz.11
Bernardo Cruz é ciclista profissional, já foi 5X campeão brasileiro de Downhill, entre inúmeras outras conquistas. Nós pedimos que ele respondesse algumas perguntas sobre sua trajetória no esporte e compartilhasse dicas para quem se interessa pela modalidade. Os pontos principais dessa conversa, você confere nesse post!
Bernardo, quando você percebeu que seu negócio era mesmo o Downhill?
Quando eu era muito moleque, eu andava de skate. Sempre gostei muito de esporte radical. Então, quando eu andei pela primeira vez de bike, não foi exatamente Downhill; a molecada fazia trilha, andava de bike por diversão. Eu gostava muito daquele sentimento na trilha. E aí eu conheci o Downhill através do Cláudio (colaborador na Entre Trilhas em Ouro Preto).
Com quantos anos começou a competir, e qual foi o estímulo para isso?
A minha primeira competição de Downhill foi em 2005, em Ouro Preto. Foi o Campeonato Mineiro. Quem me colocou no esporte, e sou grato até hoje, foi o Cláudio. Foi através dele que eu conheci a bike e ele foi a minha inspiração, porque, quando eu via ele pedalando, eu achava “muito louco” o esporte.
A gente começou a formar uma amizade, como eu falei antes: eu andava de skate, e ele sempre passava pelo lugar em que a gente andava de skate no caminho para a pista de bike. A gente começou a conversar, até que um certo dia ele me emprestou a bike. Depois disso, nunca mais parei.
Existe algum prêmio que você ganhou e considera o mais importante? Por quê?
Graças a Deus, na minha carreira, tive vários resultados que foram expressivos e me deixaram muito feliz. Um deles foi ser bicampeão mundial de Whip no Canadá. Além disso, também ser bicampeão do Downhill Urbano no México, uma etapa do Mundial de Downhill Urbano.
Como você treina para as competições?
Eu não treino especificamente para as competições, mas treino durante o ano inteiro. O Downhill, na minha opinião, é um esporte muito complexo, então, eu gosto de fazer vários outros esportes porque eles me completam para o Downhill. Um dia da semana eu pratico Enduro, treino cardio; nesse mesmo dia, eu faço academia; no outro dia, eu gosto de andar de moto – motocross é um treino bom para os braços e raciocínio rápido, porque a gente precisa se acostumar com a velocidade.
Também tento mesclar, lógico, o Downhill, porque nada melhor do que o treino específico para o esporte que a gente faz.
Como é sua alimentação e de que forma ela influencia no seu desempenho?
Eu tento comer coisas saudáveis e que me ajudem. Por exemplo, antes de treinar, eu tento comer carboidrato e um pouco de proteína. Depois do treino, tento focar um pouco mais na proteína.
Eu não sou o cara que mais se preocupa com alimentação. Eu como o que me faz bem e o que eu gosto. Não abro mão das coisas que eu gosto, mas tento manter uma alimentação saudável. Como frango, gosto de um ovo frito… A galera come só ovo cozido, eu não aguento não (risos). Mas eu tento balancear entre carboidrato e proteína – e é lógico que “verde” também é bom, uma saladinha, uma coisa mais leve.
Existe algum objetivo no Downhill que você ainda não tenha atingido? Qual seria? Por quê?
Os objetivos nunca acabam. Eu ainda quero ganhar essas provas em que eu já conquistei o título duas vezes; a prova do Whip no Canadá eu tenho vontade de ganhar mais vezes. E o foco é me manter entre os cinco melhores.
Agora, vamos falar com quem está começando. Quais são as suas dicas para iniciantes?
Eu sempre falo pra galera que o Downhill é um esporte muito preciso, então a gente não pode passar do nosso limite, porque machuca. Eu falo para começar com segurança; conheça seus limites primeiro, respeite seus limites. E o mais importante é que, por mais que você não seja o mais rápido, você tenha uma técnica melhor do que a velocidade. Quando você tem uma técnica boa, a velocidade vem com o tempo.
Quais são os perigos do Downhill que merecem toda atenção dos atletas?
Como esse esporte tem vários fatores externos (pedras, árvores, raízes), eu acho que o atleta está correndo constante perigo; não somente no Downhill, mas em qualquer esporte de montanha. O importante para conseguir evitar os perigos é reconhecer bem a trilha, saber onde está passando com a bicicleta, conhecer bem o terreno e tentar memorizar o que fez na descida anterior para não cometer os mesmos erros nas próximas descidas.
Você já se machucou feio? Quando foi e por que acha que isso aconteceu?
Em 2010 ou 2012, eu perdi um rim em uma queda. Não é uma coisa que acontece normalmente, mas, com a forma como eu bati no chão, aconteceu isso. Depois disso, eu nunca mais me machuquei. Acho que foi uma fatalidade que aconteceu, mas só me tornou mais forte.
Você nasceu em Ouro Preto, uma das cidades mais relevantes para o MTB no Brasil. Quais são as dicas para quem busca um bom resultado nos campeonatos que acontecem aqui?
Nesses meus anos de atleta profissional, eu tive contato com bastantes atletas em copas do mundo e pude trocar muitas ideias com eles. Uma dica que eu dou é que, não somente no Downhill, mas também no cross-country e MTB em geral, não foque demais em pedalar no asfalto. Às vezes a galera foca muito em pedalar no asfalto para ganhar o cardio; é bom, mas nada melhor do que o específico.
Então, a dica que eu dou é que a galera tente treinar mais o específico: andar mais em trilha, andar mais nas pistas. O específico é o treino que mais ajuda.
Quais são as dificuldades de ser um atleta profissional de Downhill no Brasil?
A dificuldade maior como atleta no Brasil é o incentivo. Por ser um esporte que não é praticado “por todos”, acaba tendo menos dinheiro no mercado, então fica muito difícil viver do esporte. Hoje em dia, eu consigo viver do esporte justamente por ter conseguido me destacar lá fora também.
Infelizmente, o nosso cenário é muito primitivo ainda e isso é triste, porque a gente vê uma molecada com tanta experiência, com tanta técnica, com tanta habilidade… Às vezes é muito difícil de conseguir fazer dar certo, mas espero que um dia mude.
Como você vê o cenário de MTB e Downhill no Brasil e fora daqui? Quais as diferenças e como poderíamos melhorar?
Lá fora, o governo incentiva muito os atletas. Eles têm mais pistas para andar, eles têm mais estrutura; isso é primordial na formação de um novo campeão, de um novo atleta. Então, eu acho que a galera aqui do Brasil é muito guerreira.
O que falta um pouco é unir as forças; como a gente não tem apoio do governo, acho que uma coisa que deveria melhorar aqui é a galera se juntar, fazer mais associações, em função de criar mais pistas. Se não tem pista, não tem ciclista.
Você vive do esporte. Dá para viver de MTB no Brasil?
Eu vivo do esporte, mas é muito difícil. Não é proporcional ao que eu já conquistei. Eu sempre falo aos amigos: se fosse comparar todos os títulos que eu tenho e o quanto eu recebo, não é proporcional, como seria se eu fosse um atleta de outro país com os mesmos títulos. Eu tenho certeza de que teria uma condição financeira bem melhor.
Que dicas pode passar para quem sonha em alcançar os mesmos resultados que você no MTB?
Além de obter resultados, que você sempre consiga se divertir na sua bicicleta. Que nunca perca o amor pelo que está fazendo. Os resultados vêm consequentemente. E, a partir desses resultados, quando surgirem oportunidades de patrocínio, não se venda por pouco. Só a gente sabe o quanto é difícil chegar onde nós chegamos.
E aí, gostou de saber mais sobre o Bernardo Cruz e de aprender com o melhor brasileiro do Downhill? Então, fique sempre ligado no blog da Entre Trilhas, porque tem mais entrevistas vindo por aí!